Água contaminada causa morte no Marajó
Pastoral denuncia abandono de idosos e crianças, sofrimento e morte
Há seis anos, Iranilda Ferreira coordena a Pastoral da Criança e a Pastoral da Pessoa Idosa da Prelazia do Marajó. Atuando em dez paróquias situadas em nove municípios (Soure, Salvaterra, Bagre, Breves, Melgaço, Portel, Anajás, Afuá e Chaves), faz visitas voluntárias às famílias. “As doenças e as mazelas no Marajó são grandes. Nosso Marajó tem uma beleza natural deixada por Jesus. Mas, por trás dessa beleza natural, tem-se a dor, o sofrimento e o abandono, em especial das crianças carentes e dos idosos”, disse. “Muitas das vezes, essas doenças levam nossas crianças e idosos a óbitos. Isso é muito triste para nós, que trabalhamos, pregamos e lutamos por uma vida digna para as crianças e os idosos”, contou.
Segundo Iranilda, a diarreia, o vômito e as verminoses matam, todo ano, “um número elevado de crianças. E a causa disso é a água. No Marajó, não temos água de qualidade. Nosso povo não tem uma água a que, por lei, teria direito. Todo ano, a gente vem lutando, vem falando, pedindo para que nossos governantes vejam um projeto para que em cada município haja água de qualidade para o nosso povo. Já perdemos várias crianças por causa de diarreia e vômito. E a causa maior deste problema é a água (a água dos rios é muito poluída). A falta de esgoto. A falta de responsabilidade de nossos governantes. A falta de respeito com a vida humana”. Iranilda Ferreira disse que, cada vez mais, aumentam os casos de malária. “No município de Bagre, esse ano foi alarmante. Preocupante pra gente que visita as famílias todos os meses. A gente que vai de casa em casa, visitando e orientando. E vendo aquelas crianças com malária. Grávidas perdendo seus filhos por essa doença. E aí fica o nosso ponto de interrogação: qual a preocupação dos nossos gestores municipais com o povo marajoara? A doença cada vez mais chegando, cada vez mais matando, cada vez mais fazendo o povo sofrer. E um povo doente não é um povo feliz”.
A coordenadora das pastorais disse ser preocupante o fato de, muitas vezes, não ter remédios para os pacientes. “Na maioria das vezes, ou quase todas as vezes, os nossos ribeirinhos moram muito longe das cidades. E, nos interiores, os postos de saúde são raridade. Tem local que a gente encontra onde a família nunca foi a um posto de saúde. Sobrevive com remédio caseiro e pela sua fé - de suplicar ao senhor a saúde. E onde está todos aqueles que são responsáveis pela vida? Pela vida que devemos cuidar. Zelar por crianças e idosos”, contou. Em Melgaço, disse, o problema é a raiva humana. “Perdemos crianças. Vidas que deveriam ser preservadas. Esperamos uma resposta. Ficamos à luta de ver como se deve fazer, o que se tem que fazer. Os líderes das pastorais da criança e da pessoa idosa ficam preocupados. Muitas vezes, ficamos de mãos atadas, pois o nosso povo é carente, mora longe da cidade. Se, na cidade, a saúde, a educação e a assistência já estão precárias, imagina para os ribeirinhos. Muitas vezes, para chegar no município, são 24 horas de viagem. Quando adoecem, não chegam com vida na cidade”, contou.
E acrescentou: “É preocupante. A minha luta, a luta do Dom Evaristo (Dom Evaristo Pascoal Spengler, bispo da Prelazia do Marajó), de Dom José. Todos aqueles que conhecem a Prelazia do Marajó saem da luta incansável que temos para que possamos olhar cada vez mais com amor, responsabilidade. O gestor municipal deve ser mais digno de receber o dinheiro e colocar naquilo que deve ser colocado. E olhar por aqueles que estão abandonados, que não têm o conhecimento, por aqueles que clamam por uma saúde digna, uma vida digna, um crescimento de seus filhos com dignidade”.
Iranilda destacou a campanha feita pela Prelazia do Xingu para arrecadar recursos para confeccionar filtros caseiros (feitos de baldes) para os ribeirinhos. “Temos os relatos de muitas famílias de que isso veio minimizar a problemática da saúde de seus filhos, que todo o tempo viviam com diarreia e vômito. Um filtro caseiro, com certeza, não vai resolver o problema do meu povo, mas vai ajudar um pouquinho para que aquelas crianças não sintam dor de barriga, não se acabem por causa diarreia e vômito, para as quais, em pleno século 21, estamos perdendo crianças. Sem dizer que é muito dolorido pra nós, cristãos, enquanto Igreja, ver a vida de uma criança perdida por algo que já deveria ter sido evitado”. Ela completou: “São anos e anos de luta. Eu, Iranilda estou há seis anos de missão na prelazia do Marajó. E só vejo história que não tem final. Só promessas que não são cumpridas. Todo ano se fala para o povo que vai endireitar a água e não se cumpre. E as minhas crianças e idosos sofrendo”. Alguns dos hospitais daqueles nove municípios que fazem parte da Prelazia do Marajó “são precários em aparelhos, em profissionais. Tem municípios onde perdemos crianças porque não têm um aparelho para bater ultrassonografia para fazer como está o bebê. Tudo por causa da malária. Não tem uma sala de cirurgia. Nesse caso que eu acompanhei, tivesse o aparelho de ultrassom e uma sala de cirurgia, a criança, que se chamaria Vitória, estaria viva”, acrescentou.
Continuou Iranilda: “Nas nossas visitas domiciliares, tanto na famíia das crianças quanto dos idosos, um dos problemas sociais é a violência sexual. Violência que, muitas vezes, nossas crianças têm que ficar caladas, sofrendo, aguentando a dor. Que humanos somos nós, de maior, que não podemos olhar no olhar de uma criança sendo vítima de uma violência e não denunciar e nem ajudar? Muitas vezes, nossos líderes vão até denunciar, mas, na maioria das vezes, não se encontra mais confiança nos órgãos competentes aos quais devemos recorrer. Sofremos, mas jamais desistimos da luta. Lutar sempre. Desistir, jamais. Um dia cada gestor, responsável pelo dinheiro público, há de deixar Deus agir no coração para fazer seu trabalho com competência e responsabilidade. Em especial as crianças e idosos, são pessoas indefesas e necessitam de nós”.
Prefeito rechaça afirmações da Sespa e diz que é “cômodo” apontar culpados
O prefeito de Bagre, Nilson Farias, não aceita que a Sespa responsabilize os municípios pelo aumento do número de casos de malária, sobretudo no Marajó. “É cômodo apontar culpados neste momento, se esquivando de suas responsabilidades. Mas vale lembrar que a gestão da saúde é tripartite, de responsabilidade dos três entes federativos (União, Estado e Município), e nós estamos fazendo a nossa parte, apesar das dificuldades e falta de suporte”, disse.
Segundo ele, “todo o trabalho de combate a malária é muito oneroso em nossa região, principalmente pela logística. Por isso, ao integrarmos o Comitê Emergencial de Combate à Malária no Estado, formado pelos municípios de maior incidência da doença e Secretaria de Estado de Saúde (Sespa), reivindicamos a necessidade de um maior aporte do Estado e da União”. Ele também destacou as medidas que já foram colocadas em prática em Bagre: sistema transparente e atualizado em tempo real (“Bagre não esconde os números e mantém um sistema 100% atualizado”, afirmou); aumento das equipes e das ações de bloqueio, identificação e tratamento; revisão do laboratório e compra de novos equipamentos; capacitação de novos agentes e microscopistas; investimento em embarcações (barco e voadeira) para as ações na zona rural do município; solicitação de medicamento e mosquiteiros impregnados; e estudo entomológico para identificar os horários em que os mosquitos estão em maior incidência. O prefeito fez essas afirmações em uma rede social.
Secretária de saúde de Bagre, a enfermeira Isabela Mesquita disse que os casos da doença começaram em novembro de 2016 nos municípios vizinhos - Breves, Curralinho, Anajás, entre outros. “Até então, Bagre, uma ilha rodeada dos municípios vizinhos, não apresentava caso nenhum de infestação por malária. No início, não tivemos conhecimento do surto nos municípios vizinhos. E aí Bagre começou a apresentar essa infestação. Os casos realmente aumentaram de uma forma muito rápida”, afirmou. “Quando assumimos a secretaria (há um ano e seis meses), tínhamos um quantitativo de pessoal que trabalhava na parte endêmica pequeno. Mas, logo que a gente viu o aumento dos casos, foi, primeiro, duplicada e depois triplicada a equipe de endemias. Tínhamos um microscopista, que faz o diagnóstico da malária. Conseguimos, por meio da Sespa, a capacitação de mais seis microcopistas tendo como começar a fazer a identificação e o tratamento e o bloqueio dos casos de malária no município”.
Ela explicou que o protocolo do Ministério da Saúde é o bloqueio, utilizando o mosquiteiro impregnado. Mas, nesse período também, houve a falta de mosquiteiro. “A gente também teve esse problema do mosqueteiro chegar ao município de Bagre. Não tinha como fazer esse bloqueio. A gente ia para as ações, fazia a identificação, fazia o tratamento, mas não tinha como bloquear por falta de mosquiteiro. Também tivemos, em um período, a falta de medicamentos. Os casos aumentaram de uma forma tão grande que chegou a faltar esse repasse de medicamento. O medicamento do Ministério (da Saúde) vem para o Estado e, deste, para a regional de saúde, que distribui para os municípios afetados. E o quantitativo de remédio que a gente pede é referente ao ano anterior. Pra eu pedir maio, eles fazem um comparativo com os casos registrados em maio anterior, quando a gente não tinha casos. Isso dificultou um pouco. Chegou um momento em que a gente pedia de 15 mil a 20 mil comprimidos e recebíamos cinco mil. Já chegamos a pedir 15 mil e receber 2.500. Não dava para fazer o tratamento por muitos dias. Dava cerca de uma semana no máximo”, afirmou.
Isabela Mesquita disse que Bagre foi um dos únicos municípios em que o Sivep, o sistema de informação de casos de malária, esteve atualizado desde o início. “Desde janeiro de 2017, Bagre é ativamente atualizado no sistema. Os casos que a gente têm hoje, se não der para serem inseridos no sistema hoje ainda, no máximo amanhã estará inserido no sistema. Quando Bagre atingiu o pico, o primeiro colocado em casos de malária, eles esqueceram de dizer que os demais municípios tinham atraso de meses de digitação dessas informações. Na verdade, não se sabe se é verídico ou não se esse quantitativo realmente o maior, porque as informações não estavam devidamente atualizadas”, afirmou. “Hoje, a gente já está conseguindo combater essa doença. Em comparativo ao ano anterior, a gente já tem uma diminuição de 60% a 70% de casos”, completou
Por: ORM
Rádio Rural fm do marajó.
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